Um recado para as musas

29/08/15

Maja Vestida, Francisco de Goya, 1802-05. via
Dia desses estava eu zapeando o ~saite feices~, quando me deparei com um evento de arte. Olhei as fotos e, em praticamente todas, tinha um grupinho de três ou quatro caras, com apenas uma menina no meio. A mão do stalker chegou a tremer e fui investigar quem eram aquelas moças que, aos olhos de seus colegas homens, mais pareciam parte da decoração do lugar do que qualquer outra coisa.

Descobri que a grande maioria dessas gurias era estudante de arte, mas quase não compartilhava produções próprias em suas páginas. Descobri também que a maioria dos caras que estavam com elas era daqueles típicos artistas que precisam de uma plateia para aparecer, de gente pra dizer que tudo o que eles fazem é sensacional e que até o peido deles é coisa de gênio.

Por isso, resolvi dar um recado para as minhas manas das fotos: não se contentem com o título de musas desses caras. Não se contentem em servir apenas como modelo ou como bajuladora desse tipo de pessoa, porque vocês são muito mais do que isso. É legal admirar alguém, mas ficar à sombra do outro é eclipsar a própria existência, enquanto artista e enquanto ser humano.

Vocês que estudam arte e dependem da opinião dos caras pra seguir adiante, achando que seus trabalhos nunca estão bons o suficiente ou que vocês nunca vão chegar aos pés dos seus ídolos, uma dica: procurem outras minas. Quantas colegas de classe ou de curso vocês conhecem que possuem um trabalho sensacional? Ou que têm vontade de criar um coletivo? Ou de montar uma zine? Andem com essas pessoas, elas são seus pares.

Por que eu estou dizendo isso? Porque o machismo que vemos no mundo artístico começa a ser plantado no momento em que um cara acredita que o lugar da mulher é em cima do tablado, nua, com a única finalidade de ser desenhada. De ter suas poses, partes íntimas, pelos e poros dissecados em blocos de desenho ao redor da sala. 

Quebrem essa cadeia. Libertem-se da opinião de quem não quer que vocês voem, mas apenas fiquem orbitando ao redor de uma meia dúzia de "escolhidos".

Abraços,
Lidiane :-)

Comentários

  1. Lidiane:
    Estou aqui vendo a interwebs e cheguei a este texto. Chamei a minha mãe pra ler, pq na minha época de furg eu vivia falando sobre como era o machismo do curso pra ela, (tive que fazer ela ler pra ela acreditar que o que eu falava não era exagero de caricaturista)e ela me dizia as mesmas coisas que tu escreveu aqui. Mas ela nunca teve coragem de publicar e nunca teve meio e motivo... Ela manda os parabéns, e eu também. Parece que as coisas não mudaram nada no curso. As gurias precisam se valorizar mais! Confiar em sua própria capacidade e não aceitarem julgamento de quem está no mesmo nível delas. Aliás, não aceitar julgamento de nada! Na boa, quando eu era aluna, já tinha na época certas "Musas", que hoje, o próprio coletivo abandonou e nem as procuram, pra saber se estão vivas ou mortas.
    Eu fico de cara vendo gurias que poderiam ter uma produção própria, em nome de um "grupo", ou com medo de andarem sozinhas, submeterem-se a isso.

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    1. Pois é, né... passam-se os anos, mudam-se os estudantes e professores, mas essa prática continua super comum, infelizmente. Esse evento aconteceu já faz bastante tempo, mas não quis publicar na época, para evitar chorume. Deixei guardadinho para publicá-lo em outro momento.
      E fico super incomodada com essa situação, porque eu já ouvi poucas e boas por ser mulher dentro de um curso de artes e sei que, assim como eu, muitas optam por terminar o curso dentro da área teórica porque sofreram algum tipo de discriminação ou para não se incomodar.
      Sem contar que sempre, sempre rola aquela desvalorização do trabalho das minas: a produção delas sempre é "elogiada" se e somente se estiver um degrau abaixo da produção da maioria dos caras. Quando elas começam a ter visibilidade, eles já torcem o nariz.
      Daqui de onde observo, não vejo melhora interna nessa situação, não é interesse acadêmico fazer com que as gurias (e os alunos de maneira em geral) produzam nada além do conceitual, na real nem sei qual o tipo de profissional que a academia tem formado... triste.
      Mas que bom que esse texto chegou a ti e a tua mãe, fico feliz que tenha feito sentido para vocês, seguimos adiante.

      Beijão! :*

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  2. Boa, Lidy!

    Isso rola mesmo!

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  3. Bem verdade, Lidy.
    Meu próximo ensaio fotográfico já conversei com uma menina que tem um trabalho incrível, mas que não está nessa vibe dos caras que fotografam e são bajulados e desmerecem suas modelos.
    Somos mulheres, crescemos ouvindo que somos "inimigas" umas das outras, que devemos e estamos sempre em disputa por tudo, quando na verdade, somos as melhores aliadas, amigas e companheiras que teremos por toda vida. Parece que a mídia e a sociedade de homens sempre tenta nos manter aquém de quem somos, do novo verdadeiro potencial, porque nós mulheres juntas somos FORTES e PODEROSAS. Enfim... Procurar outras artistas como aliadas é essencial.
    :*

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    1. Acho que esse sentimento de sororidade crescente vai fazer uma grande diferença no mundo das artes. Está na hora das mulheres pararem de ser os objetos de estudo, ou as musas, ou as loucas desequilibradas que atrapalham a vida dos gênios, aff...
      Tem muita mina produzindo e se organizando em coletivos, mas os homens ainda insistem em nos manter afastadas, para manter seus privilégios. Ainda tem muita coisa pra desconstruir, mas tbm acredito que juntas somos muito mais fortes!

      Beijão ;*

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  4. Absurdo o texto e os comentários.

    A "musa" na arte não é o pouco que insinuas. É mais, é inspiração e estudo. E não só há musas, também se estuda a anatomia do corpo masculino oras, e para isso temos "musos". Sendo homem ou mulher, é um corpo que vai ficar imortalizado em uma tela/papel. Sendo enquanto propósito inspirador uma parte essencial da obra.

    Sou mulher e também ilustradora. Mas não me reconheço nesse discurso de "vitimismo feminista". Por experiência própria posso dizer que sou muito bem recebida em meios masculinos. Eu costumava retratar cavalos e muitos criadores/cavaleiros me encomendavam desenhos e pinturas, fiz ilustrações para semanários políticos, exposição com figuras de guerras, e inclusive já agora estou preparando a capa de um livro de autor muçulmano!

    Sinceramente, em nada do meu dia-a-dia vejo essa opressão que denunciam.

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    1. Bom, vamos por partes:

      Em primeiro lugar, acho que você precisa reler o texto e ao menos tentar entender a situação que eu quis relatar. É só dedicar um pouquinho de atenção para perceber que o que eu estou criticando é o machismo institucionalizado, e não o estudo da anatomia ou a história da arte.

      Segundo, me incomoda profundamente quando uma mulher reproduz machismo em sua fala, alegando que as colegas se fazem de vítima. Mas te entendo, por um tempo pensei assim também. É muito difícil sair de uma situação que já nasce conosco, que faz parte da nossa sociedade. Mas tem solução pra isso também. É só ter em mente que nem sempre as coisas são sobre nós.

      Se você é aceita no seu meio, se nunca sofreu preconceito, se consegue desenvolver seu trabalho tranquilamente, QUE BOM. De verdade, fico feliz por você. Mas não deslegitime a experiência de outras mulheres. Não diga que é absurdo a violência que sofrem. Não diga que elas querem se fazer de vítimas. Violência não é só a arma apontada para a cabeça, é o assédio, a desmoralização, a chantagem... e isso existe no meio artístico, independentemente da SUA experiência.

      Será mesmo que você não vivencia opressão no seu dia-a-dia? Lembre-se, nem sempre é sobre você. Você já viu alguma mulher sendo maltratada? Já falou sobre o comportamento de alguma colega que "não se dá o respeito"? Ou da outra, que tem "cabelo ruim"? Isso é opressão! Isso é violência, e precisa ser combatida.

      E da próxima vez que você falar do seu trabalho, se identifique, deixe link do seu portfólio que todas nós que frequentamento este espaço teremos prazer em te prestigiar, de coração.

      Grande abraço.

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    2. Já vi mulheres sendo maltratadas sim, e também já vi mulheres abusando de homens. Mas tanto de um lado como de outro isso é algo para se combater, entenda: não o gênero, mas o mau-caratismo.

      P.S.: A Zelia de baixo eu respondo aqui: sim, eu assino meus trabalhos, comentei como anônima porque queria falar das ideias e não fazer conflito pessoal. A questão era só, como eu disse, não ver sentido real no discurso feminista, e a ler aqui a postagem e os comentários vejo nessas acusações e denuncias um completo desvínculo com a realidade. Dei o exemplo com "bichos fortes" insinuando que mesmo em um meio geralmente mais masculino não vejo a tal não-aceitação; o que vejo é que se há capacidade há reconhecimento, ponto.

      Bom, estou me resumindo para não adentrar em diálogos maiores que caminhariam para outras questões de princípios. Obrigada pela recepção . Descobri teu espaço ontem procurando uma dica útil (mesa de luz) e acabei conferindo as demais postagens. E pronto, desejo-lhe sorte senhorita "Lidy". Um abraço.

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    3. Prezada anônima estimo melhoras na sua caminhada de reconhecimento da problemática de gênero, pois enquanto houver qualquer tipo de disparidade no que diz respeito a todas nós, mulheres, a luta feminista será necessária.

      É sobre isso que o feminismo prega (igualdade), e é por isso que pessoas como eu lutam, e também é por todas nós, inclusive por você, que diz não sofrer com discriminação. E como já ressaltei anteriormente que bom, de verdade, que essa não é a sua realidade (mas nem sempre é sobre nós, pense nisso).

      Seja solidária com a luta de outras mulheres e procure ter empatia pelo próximo. Não é vitimismo nem uma questão meritocrática: nosso espaço é construído através de luta.

      E não tenha receio de se colocar como sujeito com nome e sobrenome, não levo críticas para o lado pessoal e tento aprender com todos os pontos de vista que aparecem no meu blog, só prefiro saber com quem estou debatendo.

      Abraços!

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  5. Pois é, Lidy. Os estudos demonstram que o machismo é ensinado na família pelas mães e perpetrado pelas filhas ao tornarem-se mães. É o famoso fenótipo familiar, que também se manifesta na violência, na desigualdade, na submissão e na falta de coragem.
    Faz, portanto, muito sentido que alguém que acompanha teu trabalho seja ilustra de cavalos, bicho forte, respeitado pelos mais fortes.
    Mas quem quer ser respeitado não se põe anônimo, não é?
    Será que 'ela' assina seus trabalhos?
    Gosto dos teus sincericídios, Lidy!!
    Mesmo que não admirasse teu trabalho jamais deixaria de me sentir representada na tua fala.
    E quanto ao machismo institucionalizado, pergunto quantas mulheres ministram as cadeiras de ilustração, desenho, gravura, etc conhecemos??

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    1. É verdade, Zél. Posicionar-se é um ato político, fazer isso no anonimato não é abraçar uma causa ou questionar o sistema, é afirmar que está tudo bem do jeito que está. Não quero que as pessoas que chegam aqui concordem com tudo o que eu digo, eu mesma discordo de várias vertentes (até mesmo dentro da própria militância feminista), o que espero é o mínimo de respeito com a história das mulheres que vêm até aqui contar suas experiências. Quero que seja um lugar seguro para elas, por isso modero e respondo cada comentário. É um filtro necessário. Sigo adiante com meus sincericídios, principalmente se isso ajudar outras irmãs.
      Aproveitando tua fala sobre professoras que ministram disciplinas gráficas, sempre notei um fenômeno muito interessante dentro da academia: chega um ponto em que a grande maioria das mulheres prefere a teoria ou a área conceitual. Por que será? É uma coisa a se pensar. Beijos!

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  6. A ironia de uma suposta mulher anônima desmerecer uma postagem de outra e a opinião de muitas, exatamente sobre o machismo do meio artístico... Me perturba!
    Lyd, eu venho da literatura, já atuei como modelo tb e tu me representas em ambas situações. Claro que há exceções, mas não são as exceções que fazem o dia a dia - ou não seriam exceções.

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    1. Tá aí o tipo de coisa que não consigo entender também. Que não concordasse comigo (e fechasse a janelinha e nunca mais voltasse, se assim desejasse), mas sem desmerecer o relato das outras e o meu próprio.
      Perfeita a tua colocação, minha opinião foi sobre um evento específico e há exceções, mas além de faltar amor, faltou interpretação de texto por parte da colega.

      E já aviso que não publicarei mais os comentários dessa pessoa, visto que o último vai contra a política de uso do blog, que pode ser lida aqui: http://lidydutra.com/p/aviso.html

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