O que mudou na minha arte em 10 anos

16/01/20


Uma das coisas que eu queria muito fazer desde que me dei conta de que uma década já passou, era uma retrospectiva dos meus trabalhos, e o que mudou neles ao longo desses 10 anos.

Mas, ao fazer isso, quero pensar além da técnica adquirida e focar nos meus processos internos de aceitação, superação e de amor próprio pois, entra ano, sai ano, sempre vejo meninas lidando com os mesmos fantasmas que eu, com autossabotagem, rejeição e críticas duras demais, que muitas vezes não ajudam. Gostaria que essa retrospectiva fosse um abraço, para mim e para elas, uma maneira para ver que é possível ser mais gentil consigo mesma e vibrar pelas pequenas conquistas.

Então vamos começar lá pelo ano de 2010, que já não existe aqui no blog, pois acabei apagando muitos posts, mas que está guardadinho na minha memória. Eu precisava escrever o projeto de qualificação do mestrado, e a página em branco me apavorava. Resolvi criar o blog como forma de escrever despretensiosamente e mostrar alguns trabalhos feitos entre uma produção acadêmica e outra.

2010


Eu decidi realmente voltar a investir no desenho em 2009, depois de ter que alterar várias vezes meu projeto de mestrado, e perceber que só aquilo que eu realmente amava, que era o ato de desenhar, me daria forças para continuar pesquisando. Só que eu estava super enferrujada, havia me desapontado demais com tudo, ouvi coisas horrorosas, me achava insuficiente e charlatã. Então, busquei meu material favorito à época: o lápis de cor.

Esse primeiro desenho foi uma encomenda para uma amiga. Apesar do tronco alongadíssimo da figura, percebi que o que havia sido aprendido, ao longo dos anos, não tinha se perdido, só estava adormecido. Já a Marilyn à direita também foi uma tentativa de voltar a trabalhar com caneta esferográfica, que eu gostava muito, principalmente do efeito nos cabelos. Está parecida? Não. Tem problemas? Todos. Mas o importante dessa fase é que eu estava começando a tatear as possibilidades de reintroduzir o desenho na minha vida. A Fernanda Guedes foi uma grande inspiração nessa época.

2011


Aqui já comecei a perder o medo de retornar a desenhar o que eu mais gostava: mulheres. O contato com as ilustrações da Nanda Corrêa foi muito importante, pois sempre que eu via suas moças expressivas, pensava: nossa, ela também desenha mulheres. Tive muitos problemas relacionados à temática dos meus trabalhos durante a vida acadêmica, era como se sempre fosse algo menor para os outros, mas era o caminho que eu queria seguir. De 2011 em diante, tomei uma decisão: procuraria o máximo de artistas mulheres possível e montaria um blogroll com todas elas, e foi o que fiz.

Também foi em 2011 que perdi o medo de embarcar em temas mais místicos e ocultos, que também curto, e foi daí que conheci o trabalho maravilhoso da Sylvia Ji, referência eterna. Nasceu minha primeira catrina, minha primeira ilustração vendida em loja virtual. Eu ainda tinha muita resistência em voltar a fazer personagens de corpo inteiro, ao mesmo tempo que desejava demais investir em retratos, para trabalhar a questão do olhar, que é muito importante para mim.

2012


A partir de 2012, comecei a participar de desafios e concursos de estampas. Nunca tive uma arte aprovada, mas participava mesmo assim. Também inscrevi alguns trabalhos em chamadas de revistas online e sites especializados em curadoria, tendo alguns deles aceitos e vendidos no Society6, posteriormente.

Também fiz minha primeira exposição individual, só na cara e na coragem. Foi muito bonito, pois tive apoio incondicional de quem já estava me acompanhando e, gente: quem começou a me acompanhar nessa época é porque curtia muito, de verdade, o que eu fazia, pois minhas artes ainda sofriam com problemas de anatomia, proporção e o escambau.

2013


Em 2013 consegui ilustrar um livro coletivo de poemas, e foi um gás e tanto no meu desejo de me dedicar à ilustração editorial. Comecei a me aventurar mais na narrativa criada para cada trabalho, porém, comecei a me dar conta do que me impedia de melhorar. A essa altura do campeonato, via meu trabalho estagnado, meu traço mudando pouco ilustra após ilustra. E meu maior impedimento em evoluir residia na vontade de controlar as coisas.

Eu precisava estar no controle total da situação, e tudo tinha que sair perfeitamente igual ao que eu havia pensado. Só que isso não acontecia. Eu empacava numa parte da ilustração, me irritava, praguejava e no fim, vencida pelo cansaço e exaustão mental por não conseguir contornar meu erro técnico, apressava as coisas, ficando tudo pela metade.

Segui me iludindo que não, isso não está acontecendo, mas estava. Minha mania de perfeição não me deixava evoluir, e também deixava meus trabalhos com problemas muito visíveis, mas que eu não queria ver. Foi então que comecei um processo interno de tentar experimentar trabalhar com tintas, para ver se melhorava, mas foram dois anos de erro em cima de erro, até finalmente encontrar meu caminho.

2014


2014 e 2015 foram encruzilhadas na minha vida artística, pois eu já não tinha mais aquele desprendimento lá de 2010 para me reconectar ao desenho (a essa altura, já precisava estar reconectada, não tinha mais dissertação e eu pegava encomendas), e também não tinha suporte técnico para alçar voos mais altos. Por exemplo, a aquarela me encantava, mas todos os trabalhos saíam um cocô.

Me senti muito frustrada nessa época, pois comecei a me comparar demais com os outros. Via meninas que começaram lá em 2010 comigo numa situação muito melhor do que a minha, desenhando super bem e aumentando seus seguidores e encomendas. Talvez essa parte da comparação e o limbo no qual me encontrava foram determinantes para meu ponto mais acentuado de estagnação. Eu precisava sair dali urgentemente e não sabia como.

2015


No início do ano, meu cachorrinho Axl faleceu, depois de muito tempo lutando contra o câncer. Foi um momento horrível, que ninguém na minha casa superava. Já fazia um tempo que eu tentava fazer o efeito galáxia com aquarela e errava todas as vezes. É uma coisa que, hoje, sei que é super simples, mas aquela mania de controle não me deixava avançar.

Foi então que, numa tarde, resolvi colocar algo que há muito tempo faltava no meu trabalho: sentimento. Fiz Estelar em homenagem ao Axl e, finalmente, ao me deixar levar, consegui fazer a galáxia em aquarela. Deu tão certo, que foi o ano da galáxia: rolou exposição toda temática, tutorial e muitos produtos vendidos com a arte Estelar. Mas AINDA faltava uma coisa, que só veio no ano seguinte, com nome e sobrenome: Sabrina Eras.

2016


No início do ano, a Sabrina abriu uma turma de aquarela online e, quem estivesse interessado, era só mandar um e-mail, que ela responderia com as instruções para inscrição. Lembro que, na época, a Isabella Pessoa e eu mandamos e-mail praticamente na mesma hora, e ficamos nos praguejando durante dias, pois não recebíamos resposta. Pensávamos que éramos tão ruins que a Sabrina nem queria nos dar aula. Mas o que realmente aconteceu foi que a Sá recebeu uma enxurrada de mensagens e, como fomos as primeiras, acabamos empurradas para o final da caixa de e-mails hehehehe.

Enfim, comecei o curso em fevereiro e, até hoje, acho que nunca vou conseguir dimensionar o quanto essa experiência mudou a minha vida. Pela primeira vez me senti acolhida, compreendida, respeitada por uma professora de pintura, ganhando feedbacks construtivos, sendo estimulada a ir além, apoiada pelas colegas de curso. E este foi o ponto de virada na minha vida, o momento em que tive alguém para dizer: deixa de ser control freak, e voltei a estudar absolutamente tudo: fundamentos do desenho, anatomia, luz, sombra, valores... Os primeiros estudos do curso me tiravam do sério, mas quando cheguei na maçã, eu abri meu coração para aquarela e, desde então, vivemos um tórrido caso de amor verdadeiro, amor eterno.

Sempre que tenho oportunidade, agradeço a Sabrina e recomendo fortemente o curso dela (tem resenha aqui e aqui e, neste post, falo da minha evolução um ano após o curso), mas acho que nunca serei capaz de dizer, com todas as letras, o quanto ela é importante na minha vida e tudo o que ela trouxe de bom já estou chorando, pois eu me perdoei depois dessa experiência, entendi que precisaria voltar algumas casas para poder continuar. E é esse caminho que tenho trilhado desde então.

2017


Meu ano mais produtivo e dos meus melhores trabalhos da vida, até então. Nada vai superar 2017, pois eu estava com a corda toda, com muito tempo para me dedicar à ilustração, me sentindo livre e inspirada e disposta a fazer séries e mais séries temáticas. Surgiram as Botânicas e o melhor Lidytober feito na íntegra, com algumas das ilustras mais aclamadas pela internet.

Deixei de ser controladora e passei a ser observadora do que eu estava fazendo: muito mais estudo, trabalhos bem rascunhados, ilustrações feitas em menos tempo, focando no que realmente importava; temas bem pensados, e o mais importante: a preocupação com a jornada, o processo criativo visto com mais carinho e não como um problema a ser resolvido com dor e sofrimento. Comecei a perceber onde errava e tentava melhorar no próximo trabalho. E finalmente me arrisquei nas figuras de corpo inteiro, e me senti, finalmente, em paz com a ilustração.

2018


Depois de anos esperando a nomeação num concurso público para professora de artes, ela finalmente veio em 2018, acompanhada de um grande dilema: será que terei tempo para continuar me dedicando à ilustração, ou vou sucumbir à sala de aula, e todo o aprendizado dos últimos dois anos vai para o lixo?

A primeira atitude que tomei foi cortar as encomendas, pois não conseguiria me dedicar a elas, e foquei 100% no trabalho pessoal. Isso já foi de grande ajuda. Em seguida, avaliei que era impossível manter o mesmo ritmo de produção anterior, e que eu não deveria me culpar por isso. Haveria momentos que precisaria planejar aulas, e outros em que poderia sentar e desenhar algo para mim. E foi assim que fiz muitas séries temáticas, participei dos desafios da melhor forma que pude e tenho trabalhado cada vez mais para equilibrar a vida docente com a ilustração.

O meu maior medo - regredir por não conseguir estudar tanto - acabou não se concretizando, pois sempre que eu sentava para desenhar me doava 100%, e os resultados finalmente começaram a aparecer nas figuras de corpo inteiro e nas tentativas de compor cenários. Destaque para o Lidytober que, em breve, vai para a parede.

2019


Depois de tantos anos lutando contra meus demônios internos da autossabotagem e de me dedicar a aperfeiçoar meu traço, consegui a primeira exposição num espaço institucional, e também consolidar meu trabalho que, a essa altura, as pessoas conseguem reconhecer como meu e destacar as particularidades que mais lhes agradam.

Não foi um caminho fácil, ainda tento equilibrar a carreira docente, ainda me culpo um pouquinho por estar muito cansada, ou por não estar inspirada, não girei uma chave mágica e tudo ficou bem da noite para o dia. Só aprendi a me cobrar menos, ou a cobrar as coisas certas, nos momentos certos. Deixei de pensar que tudo precisa sair perfeito o tempo todo, afinal, a perfeição não existe, e é por isso que sempre seguimos estudando.

De 2010 para cá, o que fica foi que consegui me reconciliar comigo mesma e com o meu potencial, e também incorporar e consolidar elementos que tanto amo no meu trabalho, imprimindo a minha identidade artística.

2020 (por enquanto)


Muita coisa aconteceu no final de 2019 e muita coisa está acontecendo neste começo de 2020, então ainda é cedo para dizer como vai ser o ano. Se eu conseguir manter o ritmo de 2018 e 2019 já fico contente. Pretendo continuar nas séries temáticas próprias, e fazer também mais ilustras de personagens femininas.

Espero que a minha trajetória, ao longo de 10 anos, tenha inspirado quem está começando agora ou, pelo menos, acalmado um pouco os corações, pois é importante ter em mente que cada um tem seu tempo (o que levei uma década pra construir, tem pessoas que conseguem em dois anos), tudo depende  de muitos fatores e não existe fórmula pronta em artes (e em qualquer profissão).

Ainda tenho muito para melhorar, sei que posso ir além do que faço agora, mas também sei que não preciso provar nada a ninguém. O que importa é que, depois de passar por tantas coisas, aprendi a pegar mais leve comigo e ter orgulho da minha jornada, e é essa a mensagem que gostaria de deixar, juntamente com a retrospectiva: tenha orgulho da sua arte, se perdoe, se aceite, estude e melhore por você, e não para provar algo para os outros. 💓

Comentários

  1. Interessante este texto que acabei de ler em seu blog, continue assim com esses belos artigos. Parabéns belo blog.
    Preço da Mega da Virada

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    1. Muito obrigada pelo elogio e por visitar meu blog!

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  2. Você desenha e escreve muito bem, parabéns!

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  3. Você percorreu um longo caminho e olha a evolução que você teve! É uma grande artista e merece fazer muito mais sucesso <3

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    1. Obrigada, querida! Tua opinião ignifica muito para mim, de verdade! <3
      Beijão!

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    2. Eva Bacellar19/02/2020, 01:12

      Nossa, Lidiane, me identifico tanto com sua jornada. Me fez um bem danado ler seu texto, me trouxe força, esperança e gás para me dedicar mais à minha arte. Também sou Ilustradora e ás vezes caio em crises sobre minha identidade nesse ofício, mas sinto estar cada vez mais perto do meu estilo. Adorei seu texto, te sigo no instagram, mas vou te acompanhar mais por aqui também. Beijos!

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    3. Eva! Adoro teu trabalho, já te acompanho pelo Facebook!!! Fico muitooooo feliz que meu relato tenha te tocado, eu sinto que se fala pouco sobre a evolução de um artista não só pela técnica, mas como um processo de encontrar a sua voz através das experiências, do tempo. Muito obrigada pelo carinho <3
      Beijos!

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