O preço da arte (ou como é difícil entender que as contas não se pagam sozinhas)

14/05/14

Momento ~abrindo o coração~

Esta semana a escritora Clara Averbuck conseguiu um feito inédito para o mercado editorial brasileiro: a publicação de um livro via financiamento coletivo. O projeto Toureando o Diabo não só bateu sua meta, como também proporcionou à autora uma pequena reserva financeira. Mesmo assim, houve quem pensasse que ela estava enganando as pessoas, ao ficar com esse dinheiro. Este fato fez muita gente se manifestar à favor da Clara (veja aqui o excelente post da Sybylla) e se questionar: afinal, qual é o problema de você ser remunerado pelo seu próprio trabalho? Acontece que, no Brasil, ser  (ênfase no ) escritor, professor, ilustrador ou qualquer profissão criativa, faz com que as pessoas pensem que OU você é rico e pode se manter nessas profissões ~que não dão dinheiro~ OU que você vive de luz e suas contas se pagam sozinhas. NÃO para as duas opções.

Não raro, recebo comentários desse tipo:
- Adorei seu trabalho, você faria um rabisco meu?
Aos quais eu respondo:
- Manda um e-mail que te passo o orçamento.
Daí o e-mail chega com 8797980 fotos da pessoa e a seguinte mensagem:
- Aiiii já separei umas fotos, podes fazer assim e assado. Aguardo, beijos.
Lá vou eu responder à criatura:
- Olha só, esse tipo de trabalho custa X.
-- Fim da negociação --

Kero morre!

Para muitas pessoas, desenhar ainda é um hobby, e quem se sujeita à expor seu trabalho na internet é porque está topando qualquer negócio. Já recebi e-mails com propostas absurdas, até mesmo uma pessoa que queria utilizar minhas imagens para fazer capinha de celular e ganhar dinheiro às minhas custas! A desculpa? Ah, suas imagens estão na internet... Sim, mas elas continuam sendo MINHAS! Quem tem alguma dúvida a respeito, é só rolar até os termos de uso do blog, no rodapé.

Enfim, muitas vezes é um tormento negociar, ou porque as pessoas acham cara uma ilustração, ou se ofendem por ter que pagar, seja a quantia que for, ou porque acham fácil, enfim... De tudo isso, a mensagem que fica, na grande maioria das vezes, é que você não deve receber por esse trabalho. Você escolheu trabalhar com o que gosta, você é seu próprio chefe muitas vezes, então é como se você assinasse um pacto de sangue para se sujeitar às mais variadas torturas psicológicas envolvendo sua arte.

Enquanto as pessoas [e empresas] não entenderem que escritor é uma profissão como qualquer outra, que ilustrador tem contas como qualquer pessoa, que diagramador não é o cara que joga tudo no word, nós sempre estaremos à mercê dos maus profissionais, aqueles que não estão nem aí e topam tudo, e à desvalorização de toda uma cadeia produtiva. Estaremos presos aos contratos abusivos (quando há), aos "entendidos" que metem a mão nos nossos projetos sem a nossa autorização, às refações sem fim, ao jeitinho brasileiro, que permeia esse modo capenga de fazer as coisas.

Por mim e pelos meus colegas de profissão: não estamos fazendo um favor para a sociedade. Estamos oferecendo nosso serviço especializado, como qualquer outro profissional. Exigimos respeito e pagamento justo pela nossa mão-de-obra. Parece óbvio, mas ainda é preciso lembrar aos desavisados. E eles são muitos, e se multiplicam a cada dia.

Abraços,
Lidiane :-)

Comentários

  1. Oi, Lidy!
    Sinto e vejo as mesmas situações que passas, comigo todos os dias praticamente.
    É o fulano que quer zilhões de desenhos antes de fazer a tattoo e sem dar nenhum sinal, é o ciclano que quer uma caricatrina "grátis", o outro que quer a tattoo mais em conta porque encontrou lá no gueto a "50 pila", o outro que quer que eu fique o dia inteiro a disposição conversando sobre a tattoo dele no whatsap... Enfim, absurdos mil. Vontade de mandar todos às favas, pra não dizer outra coisa. Ontem mesmo não aguentei algumas pressões e fique na maior deprê, chorona (confesso), meu namorado que teve que parar e conversar comigo sobre. Aí a gente respira fundo e se impõe, mostra como procedemos com nosso trabalho e se quiserem um profissional de verdade que respeitem, senão procurem o outro que é mais baratinho mas que no fim vai sair mais caro.
    Eu fico chocada com as pessoas exigindo um respeito, uma atenção e disposição que nem mesmo dão para o profissional que procuram.
    Reciprocidade é mais do que preciso.
    Beijo e abraço apertado, Lidy!
    Respeito imenso por tua arte! :*

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    1. Nossa, Thaís, como é triste toda essa situação, de ter que matar um leão por dia pelo mínimo de reconhecimento. Imagino que tatuadores passem exatamente pelo mesmo tipo de tormento, e acho uma das profissões mais prejudicadas pelo mau profissional, aquele que, como tu disseste, cobra "50 pila" por um serviço porco, e rebaixa toda a categoria. Depois o desenho fica uma bosta e a pessoa ainda quer reclamar e o pior: quer descontar sua frustração no profissional correto, que faz tudo como tem que ser, que se especializa, tem um bom equipamento, está sempre investindo no seu negócio.
      Eu tenho rejeitado muitas coisas que chegam, porque fico pensando aonde a criatura pensa que está com a cabeça para pensar que pode fazer, por exemplo, uma camiseta com a minha ilustração, numa gráfica qualquer, só porque achou bonita. E o pior é que, mesmo sem a minha autorização, sabemos que a pessoa vai fazer sim a camiseta, vai vender, vai dizer que é sua e tal.
      É realmente desgastante e bate a depressão sim, fico chorosa também e pensando em como tem gente que gosta de contar vantagem. Mas mesmo nesse mar de chorume tem quem respeite nosso trabalho, pague e ainda ajude a divulgar. É por essas pessoas que sigo em frente. E temos que seguir, para atrair esse tipo de contato. cabeça erguida, sempre! :)
      Também super admiro e respeito o teu trabalho, cada dia mais lindo!
      Um super beijo :*

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    2. Tuas palavras são mais um incentivo pra continuarmos.
      Trocas assim nos fortalecem como eternas artistas atuantes nesse Universo; contribuem pra todos os tipos de crescimento.
      Sempre grata por estarmos no caminho uma da outra. E sempre grata pelas tuas contribuições, desabafos, auxílios mil (hehe) e amizade.
      Mais um abraço apertado!

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    3. Ah, enquanto artistas, produtoras, amigas, precisamos nos apoiar! :) Acredito que é justamente esse círculo de amizades e apoios mútuos que fazem as coisas saírem da inércia. Sempre com trabalho, com algumas (várias) incomodações, mas é uma forma de pavimentar tanto o nosso caminho, quanto de outras mulheres (e já coloco mulheres porque sempre é mais difícil para nós), que enfrentarão os mesmos dilemas.
      Um abraço e um xero!! :***

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  2. Concordo com o que você disse mas também acho que tem muita gente que naõ se valoriza. Tem muita página no face com desenhistas que fazem trabalhos de graça só pra ganhar mais curtida, aí todo mundo acha que vai ser sempre assim. Com músico é a mesma coisa toca a primeira vez de graça vai fazer sempre pq não vão pagar.

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    1. Oi Luana, muito pertinente a tua colocação. Já vi essas páginas no Face, e em muitas delas os trabalhos nem são de autoria do dono da página, são plagiados. O que essas pessoas querem é aquilo que disseste: curtidas. Então, elas não estão preocupadas em saber que ilustradores são profissionais, que vivem disso. Acredito sim que essas atitudes prejudicam o mercado, e o cliente acaba recebendo por aquilo que paga (ou não paga), né?!
      Muitos amigos músicos relatam barbaridades a respeito do cachê pago em alguns lugares e, como disse no post, é um mal da profissão criativa: as pessoas realmente acham que o artista tem dinheiro pra se bancar ou vive de luz, porque respeito pelo profissional, não há.

      Abraços! :)

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  3. ana maria fernandes26/05/2014, 17:14

    Poxa vida! Concordo com tudo que você disse. Certas situações nos causam um enorme desanimo. Depois de 18 anos de estrada, abandonei há 3 anos o teatro e a pintura. Hoje trabalho com contabilidade e ainda recebo convites para "fazer festinhas infantis", pois se vestir de palhaço é só uma mera distração para crianças. A pintura nem falo. A desvalorização é tanta que me faltam palavras. Bom Liliane, abandonei o mundo das artes, mas continuo amando artes e descobri seu blog, foi uma grande alegria. Você está na minha barra de favoritos. Muita sorte e luz! Precisando de uma contadora, estarei as ordens!

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    1. Oi Ana Maria!
      Nossa, deve ter sido difícil tomar a decisão de abandonar o mundo das artes. Mas entendo que chega um ponto em que as nossas despesas não podem esperar reconhecimento. Muitas pessoas estão nessa situação. Só que as artes nunca nos abandonam, uma vez artista, sempre artista :)
      Fico feliz que tenhas curtido o blog, seja bem-vinda!

      Abraços,
      Lidy

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  4. Oi Lidiane! Acabei de conhecer seu blog, encontrei esse post e não pude deixar passar em branco. Não trabalho com ilustração mas também desenho. A falta de respeito e a desvalorização são muito grandes e vem de todas as partes, infelizmente. Quanto mais tento seguir esse sonho mais escuto besteiras, ninguém acredita que este é um trabalho de verdade, que exige esforço e dedicação como tantos outros.

    Beijos!
    http://isaciole.blogspot.com.br

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    1. Oi Isa! Obrigada pela visita :)
      As profissões artísticas geralmente são vistas desse jeito, como se fossem "passatempo", mas é um preconceito que toda pessoa que trabalha na área tenta desconstruir diariamente. Chegaremos lá! Não desista ;)

      Beijokas

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